Água Fria + 30.000 anos (Doc Lisboa)

Água Fria, de Pedro Neves

30.000 anos, de Maya Rosa

A incursão ao Doc Lisboa deste ano tinha como objectivo ver o documentário de Gonçalo Tocha, É na Terra e não é na Lua, que recebeu uma menção especial no Festival de Cinema de Locarno. Talvez por causa desse mediatismo, a sessão já se encontrava esgotada quando, duas horas antes, chegámos à Culturgest para comprar bilhete... Por isso, foi preciso recorrer ao plano B, que é como quem diz optar pelo programa do Pequeno Auditório, que incluía estes dois filmes: uma curta metragem de Pedro Neves sobre as festas de São Bartolomeu do Mar (Água Fria) e uma média duração de Maya Rosa sobre a humanidade, tendo como pano de fundo a construção do Museu do Côa (30.000 anos).

O primeiro documentário, quase sem palavras, é um olhar benévolo sobre uma romaria tradicional da zona de Esposende, que se realiza no dia 24 de Agosto, em São Bartolomeu do Mar. Um dos rituais mais típicos inclui o mergulho das crianças no mar, por três vezes consecutivas. Este ritual procura proteger os mais novos contra o mal em geral e as doenças. O realizador observa as pessoas que participam na romaria, de uma forma que procura ser desapaixonada mas que não consegue evitar fundir-se na multidão, que não fica indiferente à sua presença.

O segundo filme, devido à sua duração, é também mais consistente e já tem mais intervenção. A realizadora foi para Vila Nova de Foz Côa e procurou, através da sua população, fazer um retrato da evolução da humanidade (tema particularmente interessante naquele local, devido à existência das gravuras rupestres que comprovam a presença humana naquele sítio desde há largos milhares de anos). O período temporal coincide com a construção do Museu do Côa, obra polémica no seio da população local (talvez por verem gastar-se tanto dinheiro numa obra, num sítio onde a população é tão carenciada e sem recursos... mas esta é a minha interpretação, claro).

Gostei muito de ambos. Cada um com o seu encanto e as suas limitações, está claro. Mas são os dois sobre o povo de Portugal, e esse povo vale a pena ser ouvido e documentado. Para ver se perdemos a vergonha de sermos quem somos. Ao perdermos essa vergonha, poderemos finalmente sentir orgulho naquilo que somos como país, como cultura, e assim sermos um povo mais forte e unido.

Eu tenho orgulho nesta sabedoria popular.


PS - Esta sessão documental deixou-me com vontade de filmar, realizar. Documentar a beleza das gentes e do mundo. Já não é a primeira vez que tal me acontece. Pode ser que um dia apareça a oportunidade...

O génio barbudo ao vivo no Maria Matos


Bonnie "Prince" Billy é um daqueles senhores de quem gosto há já muito tempo. Não sei bem como me veio parar às mãos, mas tenho ideia que foi num daqueles milhentos CDs que a minha irmã trazia para casa, emprestados não sei bem por quem, quando andava na faculdade. Na altura, fiquei com uma dupla gravação de Master and Everyone e Ease Down the Road - que até hoje continua a conter as músicas de que mais gosto (não há amor como o primeiro, dizem uns e outros). O senhor, de seu verdadeiro nome Will Oldham, tem uma produção musical prolífera, para dizer o menos, com vários alter-egos, e é difícil uma pessoa (eu) manter-se a par de tudo. Mas até me fui mantendo informada, pelo menos durante os últimos anos.

No ano passado, o senhor Bonnie passou por Lisboa para um concerto na Sociedade de Geografia (ou como raio de se chama aquilo), mas não houve oportunidade para o ir ver. O que significa que, quando soube do concerto no Teatro Maria Matos, pensei para comigo que não poderia deixar de ir, mesmo que sem companhia e muito medo das possíveis consequências emocionais de ir assistir ao concerto. A falta de companhia resolveu-se, mas o medo continuou.

O dia 24 de Outubro chegou finalmente. Contratempos à parte, lá entrámos e pusemo-nos a jeito para ouvir o senhor Oldham, mais a sua banda. Foi um belo concerto e o medo rapidamente se dissipou, porque o senhor não estava, nitidamente, em dia nostálgico. Assim, fugiu das suas canções mais melancólicas como o diabo da cruz, e abordou, durante 2 horas, um repertório mais folk e desinibido. É pena que ele não seja particularmente comunicativo e, assim, quase não falou com o público. As canções sucederam-se, sem considerações. E foram muitas, as canções. Das quais apenas (re)conheci uma, Quail and Dumplings, primeiro single retirado do último álbum, Wolfroy Goes to Town. Percebi, depois, que conhecia outras músicas que foram tocadas, mas as roupagens diferentes fizeram com que soassem completamente novas aos meus ouvidos. Ou, então, houve aquele sensação de reconhecimento sem saber propriamente de quê, como às vezes acontece com determinadas pessoas ou situações.

Gostei muito. Não foi emocionalmente desgastante como estava à espera, e ainda não consegui perceber se isso foi bom ou mau. Mas foi muito bom ter ido.

Apenas miúdos - Patti Smith



Mais uma prenda de aniversário que viu o "seu tempo" chegar. Depois das férias (sobre as quais ainda não falei por cá, mas deve estar para breve - assim que tiver fotografias!), apeteceu-me ler em português e este primeiro "romance" (digámos antes livro em prosa) de Patti Smith pareceu-me o ideal. Obrigada, Cristina e Pedro, pela oferta.

Devo confessar que não conheço muito de Patti Smith, nem tão pouco fazia ideia de como a sua vida a tinha conduzido até aos dias de hoje. Claro que sei que é uma cantora icónica, com obra seminal no rock'n'roll. Mas pouco mais. Foi assim com grande curiosidade e poucas expectativas que me lancei na leitura deste "Apenas miúdos", obra autobiográfica que retrata a relação que Patti viveu com Robert Mapplethorpe, fotógrafo de renome.
A relação entre os dois aconteceu de forma fortuita, quando ambos tinham cerca de 20 anos, mas durou até à morte de Robert, em 1989. Os processos criativos foram mutuamente influenciados e, enquanto se definem como artistas, definem-se também como pessoas.

Gosto muito de ler biografias. Dá-me a sensação de estar a aprender algo durante o processo de leitura, como se não fosse apenas lazer. Esta é particularmente interessante e comovente, porque mostra como a relação entre duas pessoas pode ser tão genuína e duradoura. Mas não só por isso. É também interessante por mostrar o quão aleatória é a vida, no final das contas. Ao ler sobre o início de vida de Patti Smith, e sobre como ela chegou ao "posto" que ocupa hoje, de estrela de rock, é quase inacreditável como é que uma coisa levou à outra.

Gostava de acreditar que hoje em dia ainda existe esse tipo de espontaneidade e aleatoriedade. Mas acho que não. Tudo é demasiado pensado, racionalizado, escrutinizado - arte incluída. Como diria o nosso amigo Charlie Chaplin:

"We think too much and feel too little."

Domingo de Outono

Parece que o Outono finalmente chegou, num domingo como qualquer outro.

Mas o dia até começou solarengo, e o gato Alberto aproveitou bem esses últimos raios de sol.



Agora que o dia está definitivamente cinzento, há que aproveitar para fazer aquelas coisas para as quais normalmente não há grande tempo: cozinhar, ler, brincar com a sobrinha que observa atentamente a chuva que cai lá fora...




E aproveitar também para pôr mãos-à-obra nos novos bordados, que os "crianços" não tarda nada já estão cá fora. :)

Um belo domingo, portanto.

Amor Estúpido e Louco



E depois de um filme um pouco soturno, nada melhor do que esta comédia hollywoodesca recheada de estrelas (consagradas ou em ascensão) para descontrair!

Apesar do momento ser o mais oportuno para ver um filme como este, devo confessar que este visionamento já está na calha desde Agosto (ou por volta dessa altura), quando vi o trailer do filme e fiquei rendida àquela cena fantástica em que a personagem da Emma Stone se vira para a personagem do Ryan Gosling e lhe diz "take off your shirt" e quando ele tira a camisola ela exclama "oh, my God, it looks like you've been photoshopped!!!" - há já muito tempo que não me ria tanto e a cena é das melhores que já vi (dentro do género, está claro). E sim, ele parece que foi trabalhado no Photoshop, confirma-se.
A história, como não poderia deixar de ser, não tem nada de especial: Cal (Steve Carell) e Emily (Julianne Moore) são um casal à beira da meia-idade com uma vida estável. Nada faria prever que, no regresso a casa depois de um jantar a dois, Emily viria a pedir o divórcio - o que deixa Cal completamente à deriva. Até conhecer Jacob (Ryan Gosling), bon vivant sobre o qual pouco sabemos, que irá conduzir Cal pelo caminho do amor-próprio e da redescoberta da sua masculinidade. E é precisamente esta relação entre Cal e Jacob que dá ao filme grande parte da sua piada. Se já sabíamos que Steve Carell é um grande comediante, o mesmo não se pode dizer de Ryan Gosling, que aqui prova ser um actor muito versátil (para além de uma carinha laroca). Aliás, todos os actores estão muito bem nas suas personagens.

Gostei muito. É um filme divertido, sem ser idiota (que é algo que nunca consigo achar piada). Bem dispõe e dá para consolar as vistinhas (para quem gosta do Ryan Gosling, está claro - embora ache que o rapaz tem que começar a fazer menos musculação, é demasiado...). Uma boa aposta para estes dias cinzentos de início de Outono. Esses mesmos que insistem em não chegar...

Un homme qui crie (Festa do Cinema Francês)



Passados três anos, o regresso à Festa do Cinema Francês. Não que não goste (qualquer um que leia este blog consegue perceber que gosto bastante de cinema francês), mas o facto de ser em Outubro costuma implicar uma certa falta de disponibilidade da minha parte. Felizmente, este ano isso não aconteceu e até tive a sorte de ganhar bilhetes para a sessão à qual já tencionava ir. Os astros conspiraram, portanto.
Este "Un homme qui crie", Prémio do Júri do Festival de Cannes na última edição, é realizado e escrito por Mahamat-Saleh Haroun, originário do Chade (confesso que não sei como se designa alguém que nasceu no Chade...). É também no Chade que se passa a acção do filme: Adam é um sexagenário, antigo campeão de natação, que actualmente trabalha como "guardião" da piscina de um hotel chique da cidade. Reestruturações na gestão do hotel fazem com que Adam seja despromovido, em favor do seu único filho, Abdel, algo que irá deixar Adam destroçado. E, nem de propósito, o clima de insegurança que se vive no país começa a aproximar-se da guerra civil, exigindo a todos sacrifícios...
A dinâmica deste filme é uma daquelas complicadas, que filmada de uma outra forma poria meio mundo a chorar baba e ranho. Mas não. Apesar de tocante (Youssouf Djaoro, que interpreta Adam, tem um desempenho belíssimo), não entra por caminhos de sentamentalismos baratos. É um filme estóico, e também sobre o estoicismo da vida. Que aqui raia o egoísmo em muitas das suas vertentes. A vida é complicada, assim como as escolhas que se têm que fazer.
O título do filme, "Un homme qui crie" (um homem que grita), acaba por ser um paradoxo - porque o homem em questão nunca grita, mas gritam antes os seus olhos. Uma bela metáfora.