Mel



Mel é um filme turco realizado por Semih Kaplanoglu. Terceira e última parte de uma trilogia que anda para trás, Mel acompanha o percurso de Yusuf enquanto criança (os outros dois filmes, Yumurta, de 2007, e Süt, de 2008, referem-se à sua meia-idade e juventude, respectivamente). Yusuf vive com o pai e mãe numa zona remota da Turquia. O pai, recolector de mel, é o grande amigo do menino, a única pessoa com quem consegue ultrapassar o seu problema de comunicação. Os tempos estão difíceis na recolha de mel, que escasseia na região, e o pai de Yusuf vê-se obrigado a ir cada vez mais longe para colocar as suas colmeias. E, numa dessas expedições, não regressa a casa, deixando o filho imerso no seu silêncio.
Mel é um filme pungente. A acção é extraordinariamente lenta, os diálogos são escassos, e ainda assim é dos filmes mais belos e comovedores que já tive oportunidade de ver. Os planos de realização são normalmente demorados, talvez para nos fazer absorver o ritmo das vidas que ali são vividas. O ritmo de quem saboreia a Natureza que o rodeia, o verdadeiro ritmo das vidas a serem vividas. Desenganem-se se pensam que, por ser lento, o filme deixa de ser intrigante e de nos deixar presos à cadeira - é precisamente aí que vão ficar até perceberem o que acontece a Yusuf. Brilhantemente interpretado por Bora Altas, que está no filme como peixe dentro de água (não percebo como uma criança tão pequena é capaz de tal coisa) - e aqueles grandes olhos pretos... uma doçura.
Uma pequena grande obra prima, que me parece totalmente merecedora do Urso de Ouro no último Festival de Cinema de Berlim. A mostrar que há muito bons filmes por esse mundo fora, e que, com pouco, se pode fazer muito.

Souad Massi ao vivo na Fundação Gulbenkian, ou a voz quente que aconchega a alma em noites chuvosas



Uma segunda-feira chuvosa trouxe consigo este concerto de Souad Massi, cantora argelina que eu muito aprecio. Oportunidade para conhecer o Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian, onde nunca tinha estado (se bem me lembro). Souad Massi fez-se acompanhar de um quarteto de outros músicos, que no seu conjunto mais pareciam uma família do que uma banda...
O concerto teve como mote o lançamento do novo álbum de Massi, intitulado "Ô Houria", que em português significa Liberdade. Um título apropriado se pensarmos que Massi tem pautado a sua vida pessoal e artística por um activismo político que, inclusivamente, já lhe custou períodos de prisão no seu país natal. Esse mesmo que está em guerra civil praticamente desde 1992. Adiante. O alinhamento do concerto esteve mais ligado a este novo álbum, o qual não conhecia, mas também houve direito a passagens pelos anteriores "Raoui", de 2001, e "Mesk Elil", de 2006, do qual cantou a minha muito querida "Ilham" (que em português será Inspiração, nem de propósito). Foi um concerto que me fez, sobretudo, sonhar. De repente não estava ali, na Gulbenkian, mas num qualquer país distante. Quem sabe se na Argélia, país que muito curiosidade me suscita, se pensar que também foi de lá que veio o "meu amigo" Camus...
Um serão bonito e memorável, que acabou em casa da prima Carol a beber cházinho e a ouvir o já citado "Mesk Elil", para fazer perdurar na memória esse ambiente de sonho para o qual fomos transportadas pela bela Souad.

True Grit - Indomável



Na passada semana não houve sessões de cinema, por motivos principalmente relacionados com preguiça, mas esta semana estou de volta e com um filme de peso: Indomável (True Grit no original), última obra dos irmãos Coen. Uma aventura, portanto, depois do que foi assistir ao filme anterior deles (Um homem sério)...
A minha disposição geral era mesmo dormir. E não estava propriamente com grandes expectativas em relação ao filme. Foi mais do género "vamos ver como isto corre". Talvez por isso tenha gostado bastante. Não é um filme espectacular, mas é um filme bem feito e competente. A história é simples: Mattie Ross (Hailee Steinfeld), de 14 anos, quer vingar a morte de seu pai e para tal contrata o US Marshal mais implacável de todos os tempos - Rooster Cogburn (Jeff Bridges). A saga de ambos em busca de Tom Chaney, o dito assassino, será recheada de percalços e aventuras, incluindo a companhia de um Texas Ranger (Matt Damon) - humor e acção, eis o que mais povoa este filme. As interpretações são muito boas, cada um a seu jeito. Matt Damon tem aqui um papel realmente diferente daqueles a que nos tem acostumado. A jovem Hailee tem uma estreia cinematográfica em grande. E Jeff Bridges... igual a si mesmo.
Será que posso então dizer que os irmãos Coen se redimiram da impressão que deixaram com o último filme?... Não sei. É sempre melhor deixar um pézinho atrás, porque com estes senhores nunca se sabe o que vem a seguir. Mas que gostei deste "Indomável", gostei. Até me deixou com vontade de ver outros westerns (uma grande falha na minha cultura cinematográfica - entre outras).

Blue Valentine - Só tu e eu



Este é um filme sobre a separação. Consequentemente, é um filme doloroso. Talvez não deprimente, mas é impossível sair bem disposto da sala de cinema depois de o ver...
Dean e Cindy são um jovem casal em ruptura. Quando a narrativa começa, têm eles uma filha de 6, 7 anos. A partir daí, o filme vai-nos contar as circunstâncias em que se conheceram, misturadas com momentos presentes, e a história deles vai-se desenrolando. Parece-me extremamente difícil dizer mais do que isto sobre o filme. É um daqueles filmes que tem mesmo que se ver para se perceber o impacto que tem.
Ryan Gosling e Michelle Williams estão soberbos. O filme está realizado de uma forma inteligente. Sinceramente, até sinto dificuldades em expressar-me porque tudo o que me ocorre me parece demasiado banal. Deixou-me emocionalmente quebrada. Com um aperto no peito.
E mais não digo. Se vos parece interessante, vejam-no. Vale muito a pena.

Azul longe nas colinas



Esta ida ao teatro já estava há muito planeada, mesmo antes da peça estrear, para dizer a verdade. Tudo para poder aproveitar os bilhetes a metade do preço às quintas-feiras... Que uma pessoa gosta destas coisas, mas se puder poupar, tanto melhor (até porque estamos em tempo disso).
Bem, tenho que confessar que a razão mais principal de todas para ter ido ver esta peça foi o facto do Albano Jerónimo constar do elenco... Eu sei, nada nobre, esta razão, mas há que ser sincera nestas situações. Razões à parte, o elenco é muito bom, Albano incluído. Então e a história? Sete miúdos, amigos, passam os seus tempos livres em brincadeiras num bosque perto de suas casas, imitando as rotineiras vidas dos adultos. Sete crianças, interpretadas por adultos, a brincar aos crescidos... Interessante, no mínimo. A história, embora simples, encerra muita da complexidade humana. O nosso desejo, enquanto crianças, de imitar o que vemos à nossa volta, muitas vezes sem a capacidade de percebermos o que é certo ou errado. A natural falta de consequências nos seus actos faz com as crianças sejam, por vezes, cruéis, e é também isso que vemos retratado na peça. Tal como há tanto que nos é inerente, e não apre(e)ndido...
Esta reflexão sobre a natureza humana é obra de Dennis Potter, autor inglês, a encenação é de Beatriz Batarda, a música do seu marido, Bernardo Sassetti, e no elenco, para além do supracitado Albano Jerónimo, temos Bruno Nogueira, Dinarte Branco, Elsa Oliveira, Leonor Salgueiro, Luísa Cruz e Nuno Nunes. Em cena na sala estúdio do Teatro Nacional D. Maria II, até 20 de Março. E vale bem uma ida ao teatro.

O Discurso do Rei




Sessão de cinema pós cerimónia dos Oscares, não poderia trazer outro filme que não o vencedor, este "O Discurso do Rei", de Tom Hooper. O filme, que deu igualmente o Oscar de Melhor Actor a Colin Firth, conta a história do rei George VI e da relação que estabelece com Lionel Logue, um terapeuta da fala australiano, a quem recorre para ultrapassar a sua gaguez. A história centra-se no período da década de 1930, com a morte do rei George V, o problema da sua sucessão (George VI sobe ao trono após a abdicação do seu irmão, Edward), e a iminente II Guerra Mundial. Para além dos desafios políticos, o rei enfrenta o seu maior desafio, esse pessoal - o de ultrapassar o seu problema de fala.
Se, por um lado, é um filme clássico e tipicamente orientado para os Oscares, por outro lado não deixa de ser um filme muito bem feito e bonito. As interpretações são soberbas (tanto de Colin Firth, como de Geoffrey Rush e de Helena Bonham-Carter, como Rainha-Mãe, essa personagem tão acarinhada), há pormenores de realização fantásticos (enquadramentos, fotografia, etc.) e a luz dos planos exteriores... linda. Há uma cena em particular que adorei, filmada nos jardins de St. James, junto ao Palácio de Buckingham (se não me engano), em que a luz é tão difusa que os planos mais parecem pinturas.
Por isso, é um belo filme. Dá gosto ver. Mesmo que seja um clássico. Mas não há nada de mal nisso, não é?...